Um dia para ficar na história da paleontologia brasileira. Cerca de mil peças fósseis de raro valor científico e cultural foram repatriadas da França e entregues à Universidade Regional do Cariri do Cariri (Urca), nessa terça-feira (24), em cerimônia realizada pela aduana francesa na cidade portuária Le Havre.
São fósseis do período Cretáceo, com cerca de 145 a 65 milhões de anos. Eles foram retirados ilegalmente da bacia do Araripe. Uma comitiva da Urca está na França para receber oficialmente os fósseis apreendidos. Nesta quarta-feira (25), acontece reunião de trabalho nas dependências da Unesco, em Paris, com a equipe brasileira.
O evento marcou o desfecho do caso iniciado em 2013, quando os bens foram apreendidos por agentes franceses e o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para apurar a venda ilegal de fóssil pela internet. Urca, Polícia Federal, MPF, cientistas e pesquisadores estiveram reunidos para celebrar o momento de entrega das peças e preparação para o material ser remetido ao Brasil em cerca de 30 dias.
Foram catalogadas 998 peças, apreendidas pelas autoridades francesas. Ao ter contato com o material, pesquisadores da Urca ficaram emocionados com a importância dos fósseis, alguns em perfeito estado de conservação dos tecidos, além da relevância do momento representativo para a valorização do patrimônio fossilífero e combate ao tráfico de fósseis.
Da equipe brasileira estiveram presentes pela Universidade o reitor em Exercício, Carlos Kleber de Oliveira; o diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, professor Allysson Pinheiro; o pró-reitor de Pós Graduação e Pesquisa, Edson Martins; o diretor de Cultura do Geopark Araripe, professor Patrício Melo; e a paleontóloga do Museu de Paleontologia, Marianna Senna; além dos representantes do MPF e outras instituições.
“São fósseis que apreendidos através de uma operação conjunta, com a Justiça brasileira e a francesa, através do governo francês. A partir de agora, as peças serão catalogadas e estudadas pelos cientistas da universidade e na sequência vão para exposição no Museu de Paleontologia, em Santana do Cariri”, declarou Carlos Kleber de Oliveira.
Segundo o diretor do Museu de Paleontologia, é um momento único para o Cariri, o Geopark Araripe e o Brasil, receber material inestimável, fruto de um trabalho em equipe. “O patrimônio recuperado irá diretamente para o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens. Vamos receber esses fósseis, trabalhar cientificamente e apresentar todo para a sociedade civil, que a partir daí poderá desfrutar desse bem cultural”, disse o professor Alysson.
O acervo devolvido impressiona pela variedade de peças com fósseis de pterossauros, peixes, plantas, insetos, e outras espécies animais. Serão encaminhadas para o Brasil caixas contendo 345 pedras de animais fossilizados e 648 pequenos quadrados de animais e plantas em formato de fóssil, todos oriundos da Chapada do Araripe, no Cariri cearense.
O secretário de Cooperação Internacional do MPF, Hindemburgo Chateaubriand, destacou que, ao longo de quase uma década de investigação, diante da importância e da complexidade do caso, várias instituições e autoridades brasileiras e francesas se envolveram nas diligências para solucionar a questão. “Deixo aqui registrado o nosso agradecimento pelas contribuições de cada uma delas”, ressaltou Chateaubriand.
Todo o material passou por um inventário jurídico e detalhado do acervo, que antecedeu a cerimônia e contou com a presença de paleontólogos, professores universitários, além de outras autoridades francesas e brasileiras. Também compuseram a comitiva brasileira que acompanhou os trabalhos em Le Havre o ministro da Cidadania, Ronaldo Vieira Bento, o embaixador do Brasil em Paris, Luiz Fernando Serra, e a encarregada de negócios do Brasil perante a Unesco, Regiane de Melo.
Segundo o Ministério Público Federal, o pedido para devolução dos fósseis foi feito à França no fim de 2019 pelo procurador da República Rafael Ribeiro Rayol, por meio da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (SCI/MPF). A solicitação foi amparada por laudos paleontológicos que certificaram a origem brasileira dos fósseis. A sentença que determinou a repatriação foi proferida pela Corte de Apelação de Lyon em fevereiro de 2020. Trata-se da primeira decisão definitiva do Judiciário francês em relação a pedidos de repatriação de fósseis feitos pelo MPF ao país europeu.
Ainda conforme o MPF, há outros dois casos em tramitação que envolvem um esqueleto quase completo de pterossauro da espécie Anhanguera com quase 4 metros de envergadura e outros 45 fósseis, que incluem tartarugas marinhas, aracnídeos, peixes, répteis, insetos e plantas, alguns com milhões de anos. Esse material está avaliado em quase 600 mil euros (R$ 4 milhões, aproximadamente, pelo câmbio atual) – dada a raridade, o interesse científico e a qualidade de preservação.
No fim de 2019, o procurador e integrantes da SCI/MPF participaram de reuniões com autoridades do MP e do Judiciário da Alemanha, França, Itália e Suíça para discutir a repatriação de fósseis brasileiros enviados ilegalmente para diversos países do bloco europeu. São milhares de exemplares retirados sem autorização do território da Chapada do Araripe. Os encontros foram realizados na Holanda.