Um menino de apenas 10 anos teve um mal súbito enquanto brincava com amigos na cidade de Cubatão, no litoral de São Paulo. Levado para o hospital já inconsciente, os médicos não puderam identificar a causa naquele momento e, apesar dos esforços, ele acabou morrendo horas depois.
Apenas após a autópsia a família soube o que tinha acontecido: Nicollas sofria de miocardiopatia hipertrófica assimétrica. A doença é rara e de baixa incidência em crianças. Para se ter uma ideia, a média anual no Brasil é de apenas 0,3 a 0,5 casos a cada 100 mil crianças nascidas.
Esse tipo de cardiopatia é considerado pelos especialistas como "silenciosa". Ou seja, os sintomas que indicam sua existência são muito discretos e de difícil detecção. Arritmia, falta de ar e dores no peito podem alguns desses sinais.
Após a missa de sétimo dia, realizada hoje em Cubatão, a mãe do menino, Bruna Rosane Silva, de 35 anos, contou ao UOL que Nicollas sempre foi saudável. Seus exames de pré-natal sempre estiveram dentro da normalidade e também o acompanhamento pediátrico enquanto ele crescia atestava a sua vitalidade.
"Ele sempre foi muito forte, nunca deu sinais de que tinha algo grave. Nunca reclamou do coração disparar, nem de falta de ar. Só fomos saber o que ele tinha quando o legista entregou o laudo".
No dia 7 de setembro, por volta das 19 horas, Nicollas estava em casa se divertindo com um jogo no videogame que ganhara de aniversário, semanas antes do ocorrido. Seus amigos então o chamaram para ir até a casa de um deles, onde estavam reunidos, para brincarem juntos.
"Ele estava muito feliz, especialmente feliz naquele dia. Ele comentou comigo. Feliz pelo presente de aniversário, pelos amigos que viviam chamando ele para brincar, pelo cachorrinho que a gente tinha e que adorava ele. Ele era muito querido por todos, o meu 'Bibiu'", contou, referindo-se ao apelido com que carinhosamente o chamava.
Aproximadamente às 23 horas, Bruna sugeriu à filha, Sarah, de 16 anos, que fossem buscar Nicollas na casa do amigo. Nesse momento, ela conta que o telefone tocou. Eram os amigos do garoto, assustados, dizendo que ele não estava passando bem e que estava vomitando muito.
Na companhia da avó materna, Aparecida Célia, de 62 anos, Bruna e Sarah correram até a residência onde a criança estava brincando e a encontraram inconsciente. Levado ao hospital, Nicollas recuperou parcialmente a consciência e reagia com as mãos, enquanto os médicos e a mãe faziam perguntas.
"Eu perguntava se ele tinha comido alguma coisa e ele gesticulava que não. Eu perguntava se conseguia respirar direito e ele fazia sinal de "mais ou menos". Até que pediram para eu sair do quarto. Me informaram que ele teve que ser intubado. Foram horas de pânico. Depois veio a notícia. Ele lutou, mas não aguentou. Eu perdi o chão. Foi o pior momento da minha vida".
A médica cardiologista Nicolle Queiroz, coordenadora do programa de residência da Universidade de Santo Amaro (Unisa), explicou ao UOL que a miocardiopatia hipertrófica assimétrica é genética e que tanto o pai quanto a mãe podem ter a anomalia. Pelo fato de a doença estar associada a fatores genéticos, não existe prevenção, mas se ficar constatado algum caso na família do paciente, ele deve buscar acompanhamento médico.
"A principal manifestação na criança é justamente a arritmia, já seguida de morte súbita", esclarece Nicolle. "A gente não tem tempo para tratar. O diagnóstico teria que ser prematuro, o que é muito difícil, pois não é comum a realização de exames de checkup cardiológico em crianças. Ainda mais por se tratar de uma doença rara".
Quando é assimétrica, como no caso de Nicollas, a miocardiopatia hipertrófica promove uma obstrução na via de saída de sangue do ventrículo esquerdo do coração. A principal câmara que bombeia o sangue do coração para todo o corpo. Assim, o paciente pode sentir tonturas, palpitações, dor no peito e desmaios, e o risco de morte súbita é alto.
Quem é diagnosticado com essa cardiopatia deve informar seus familiares sanguíneos do risco de também terem a doença. Se descoberta a tempo, ela pode ser tratada com o uso de medicamentos. Em casos graves pode ser necessária a implantação de marca-passo ou realização de uma miectomia, ou seja, uma cirurgia cardíaca para remover o excesso de músculo do coração.
"Eu nunca soube de qualquer parente meu ter tido essa doença ou ter morrido do coração", garante Bruna. "Agora entendo que o Bibiu veio ao mundo para servir de alerta. Um alerta para as mães ficarem atentas a qualquer sinal que venha de seus filhos. Para que os amem como se fossem os únicos no mundo. Eles são o nosso maior tesouro".