Enquanto a segunda onda de contágio da Covid-19 atinge o Ceará e eleva o número de casos e de óbitos causados pela doença, a disseminação de notícias falsas também desperta preocupação no Estado, justamente no momento mais crítico da pandemia. Para cientistas políticas entrevistadas pelo Diário do Nordeste, o fenômeno é reflexo de uma politização da crise sanitária. Enfrentá-lo exige ações do poder público, mas também da população.
Em transmissão nas redes sociais, na última terça-feira (16), o governador cearense Camilo Santana (PT) dedicou quase cinco minutos da conversa com a população para desmentir informações falsas.
“Fico impressionado com essa capacidade de produzir fake news, como tem pessoas de uma maldade enorme, que procuram mentir e criar tumulto em um momento tão delicado”, lamentou. A concentração de esforços do Governo do Estado em desmentir as chamadas fake news remete a um período semelhante do ano passado, quando a pandemia acelerava no Estado.
No boato mais recente, uma mensagem encaminhada em grupos de Whatsapp e disseminada em redes sociais informava que o governador iria decretar o fechamento de supermercados, farmácias, postos de combustível e transporte público coletivo, atividades consideradas como essenciais. “Isso tudo é mentira. Já estamos em isolamento social rígido”, esclareceu o governador na terça-feira. Em 2020, o governador precisou desmentir a mesma informação.
“Fico impressionado como as pessoas acreditam nisso. Se tem uma coisa que tenho procurado fazer é dar transparência aos meus atos. Portanto, qualquer medida estará nas minhas redes sociais oficiais”, acrescentou.
Em abril do ano passado, após um mês de pandemia no Ceará, o Governo do Estado chegou a criar uma agência de checagem de dados e notícias. Informações como a que recomenda o consumo de limão para matar o coronavírus ou que um decreto proibiu a compra de bebidas alcoólicas foram desmentidas pela iniciativa
Para a cientista política e professora universitária Carla Michele Quaresma, a disseminação de notícias falsas envolvendo a pandemia é só mais um sinal de como a situação da doença foi politizada no Brasil.
“Essa guerra de narrativas é própria do campo da política, porque é onde se tem muito espaço para disseminação. Os grupos políticos reproduzem isso em uma velocidade grande. Antigamente, era comum, em cidades menores, os textos apócrifos, eram fake news também”, aponta.
No Ceará, na semana passada, parlamentares da oposição mergulharam no debate sobre tratamento precoce da Covid-19. O método, alvo de críticas de médicos, virologistas e rechaçado por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro Americano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), recomenda o uso de medicamentos para supostamente prevenir a infecção pelo coronavírus
O deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL), por exemplo, defendeu o uso de “lambedor, chá de boldo e antibiótico caseiro” contra a Covid-19. A deputada Dra. Silvana (PL), médica, também reforçou o coro em defesa do tratamento precoce.
Para Monalisa Torres, professora de teoria política da Universidade Estadual do Ceará e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), a dúvida do governador sobre o porquê de as pessoas ainda acreditam em notícias falsas sobre a pandemia é facilmente respondida.
“Há um conjunto de ratificadores que dão credibilidade a essas informações negacionistas e que diminuem a adesão às medidas”, aponta.
A pesquisadora cita, por exemplo, o embate entre médicos sobre o apoio às medidas restritivas. Nesta semana, após um manifesto de médicos cearenses favoráveis à gestão do presidente Jair Bolsonaro na pandemia, um outro grupo, da mesma categoria profissional, divulgou uma nota com críticas ao Governo Federal e em "defesa da vida, da ciência e do SUS".
Segundo Torres, quando médicos, políticos e empresários se posicionam a favor de métodos sem comprovação científica da eficácia ou disseminam boatos sobre o isolamento social, “cria-se um terreno cada vez mais fértil para que informações falsas pareçam verdadeiras”.
“Digo pela própria discussão sobre o que vale mais, a vida ou a economia. Nesta semana, tivemos duas manifestações contrárias ao lockdown, então esse movimento vai ganhando adeptos, vai ficando mais radicalizado e tendo simpatizantes de segmentos com maior credibilidade”, acrescenta.
Para as duas cientistas políticas, o caminho para conter a desinformação em meio à pandemia é dar celeridade às informações oficiais e rebater rapidamente os boatos.
“O que se tem de positivo hoje é o uso de espaços nas mídias sociais e na mídia tradicional, que tem maior credibilidade, para rebater essas informações falsas. E o governador tem feito isso. Ele faz lives, posta nas redes sociais e explica, é uma tentativa”, aponta Quaresma.
“Camilo Santana faz um dos melhores usos das redes sociais entre os governadores, fala praticamente todo dia. Mas, como falei, às vezes a mensagem não chega a todo mundo ou nem todo mundo tem acesso”, acrescenta Torres.
Em pesquisa recente, a plataforma MonitoraBR apontou o chefe do Executivo do Ceará como o governador mais influente nas redes sociais. Ao longo de um ano, entre 1º de março de 2020 e a mesma data neste ano, Camilo realizou 2.783 publicações no Twitter, no Facebook ou no Instagram.
Em maio do ano passado, o Governo do Ceará regulamentou, através do decreto nº 33.605, a lei que pune com multa quem divulga notícias falsas sobre a pandemia. “Para que o esclarecimento esperado chegue a todos, é importante coibir, com todo o rigor, a divulgação de notícias falsas relativas à doença combatida, sendo necessária, muitas vezes, a adoção de medidas mais drásticas pelo Poder Público para o alcance desse propósito”, justifica o Estado.
Pela lei, é considerado crime o ato de divulgar, dolosamente, por meio eletrônico ou similar, informação ou notícia fraudulenta que falseie, modifique ou desvirtue a verdade sobre fatos, ações ou medidas relacionadas a epidemias, endemias e pandemias.
O crime é, inicialmente, notificado. Caso haja reincidência, a multa pode chegar a R$ 2 mil. Toda a aplicação da lei fica a cargo da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), informa o decreto.
O Diário do Nordeste questionou a Pasta sobre a aplicação da lei. Contudo, o pedido de informação, enviado no último dia 10 de março, não foi respondido até a publicação desta matéria.
Durante a Conferência de Segurança em Munique, ainda em fevereiro do ano passado, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), já alertava que o mundo enfrentaria não só uma pandemia, mas também uma “infodemia”. "As fake news se disseminam mais rápida e facilmente que este vírus e são igualmente perigosas", apontou.
O termo foi usado pela primeira vez em 2003, no jornal The Washington Post, pelo jornalista David J. Rothkopf. "Poucos fatos que, misturados ao medo, a especulações e rumores, são amplificados e transmitidos rapidamente por todo o mundo pelas tecnologias modernas de informação e que afetam economias, políticas e até mesmo a segurança nacional e internacional de formas totalmente desproporcionais à realidade", definiu.
Além dos veículos de imprensa e das agências de checagem que combatem fake news, há ações que a população pode adotar para fugir de boatos. O Comitê Gestor da Internet, órgão que estabelece diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil, lançou um guia com dicas para evitar a desinformação.
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FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE